sábado, 30 de março de 2019


30 DE MARÇO DE 2019
PAULO GLEICH

DESEJO DE SER GRANDE

Em visita recente de uma amiga, observamos divertidos ao novo hábito de seu filho pequeno: caminhar usando os calçados dos adultos. Todos tivemos nossos sapatos calçados por ele, que exibia uma alegria ímpar andando naqueles artefatos que, em seus pequenos pés, mais pareciam canoas. Mal aprendeu a caminhar, e já estava insatisfeito com seus minitênis: queria usar sapatos de adulto!

O que ele nos mostrou ali, mais do que uma cena repleta de fofura, é um motor fundamental para o crescimento das crianças: o desejo de ser grande. Freud, que não atendia crianças - mas teve muitos filhos e netos -, reconheceu a importância decisiva desse desejo para que novas conquistas fossem alcançadas. Isso mesmo quando, como no caso do filho da minha amiga, usar sapatos grandes ainda é um horizonte muito distante.

Todos que têm filhos ou convivem com crianças têm vários exemplos de como esse desejo se expressa. A criança um dia aparece usando roupas e sapatos dos pais, ou imita ao telefone as palavras e gestos de um adulto discutindo questões de trabalho. As próprias brincadeiras infantis são, com frequência, expressão desse desejo: tornam-se pais e mães de seus bonecos, enfrentam destemidos desafios e perigos fantásticos.

Esse desejo - como todo desejo - às vezes claudica. Em algumas situações, como a chegada de um novo irmão, o medo de perder o amor dos pais pode levar uma criança a voltar a se apresentar como bebê. Também pode acontecer após a conquista de um novo passo rumo à autonomia, que às vezes traz consigo temor da solidão e do desamparo. No mais das vezes, essas situações são passageiras e acabam se revertendo com o tempo; são apenas pequenos tropeços em seus avanços.

A ausência ou inibição contínua desse desejo de crescer, porém, é sintoma de que algo pode não estar bem. Uma criança excessivamente apegada à sua condição infantil, incapaz de manifestar insatisfação com o que seus limites lhe impõem, mostra que o medo de crescer superou seu desejo, e que o único que lhe cabe é resignar-se a ocupar sua condição. As aquisições motoras, de linguagem, entre outras, se veem afetadas por esse impasse: é preciso alguma ousadia para crescer.

Com frequência, essa ausência de desejo de ser grande denuncia um medo muito intenso dos pais em relação ao crescimento e à autonomia do filho. Mesmo que queiram que ele cresça, muitas vezes também temem pelo que isso implica para eles: cada vez terão menos controle sobre seu filho, este será pouco a pouco um sujeito mais independente de seus anseios e vontades. Cada passo no crescimento dos filhos implica também uma perda para os pais, e para alguns isso é motivo de grande angústia.

Pais superprotetores, ciosos de cada passo de seu filho, transmitem uma mensagem inconsciente que pode inibir seu crescimento. Ao precisarem estar tão presentes e fazer tanto por ele, afirmam também que não têm confiança em sua capacidade de fazê-lo sozinho. O excesso de proteção acaba tendo como efeito o contrário de sua intenção: deixa o filho desprotegido frente a desafios que, cedo ou tarde, terá de enfrentar com as próprias pernas.

Assim como quedas e tropeços fazem parte de aprender a caminhar, todo avanço se encontra com dores e barreiras. Quanto antes se fizer essa experiência, melhor se poderá lidar com os inevitáveis obstáculos da caminhada da vida - para a qual jamais se está suficientemente grande.

PAULO GLEICH

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