sábado, 16 de março de 2019


16 DE MARÇO DE 2019
CARPINEJAR

Os sinos da igreja dentro de mim

Nas cidades do interior, antigamente, os moradores tinham ciência de quem nascia, seria batizado, casava ou morria pelo número de badaladas do sino da igreja. Os dobres da alta torre eram as redes sociais da época. Avisavam das principais narrativas do dia. Os códigos dos alertas sonoros passavam de geração a geração, como uma matemática folclórica, um Morse de convivência.

Eu mantenho uma igreja dentro de mim. Herdei, do lado materno, uma telepatia da ternura. Uma mediunidade mansa. Um para-raios emocional.

Como se soubesse o que vai acontecer com quem eu amo antes de acontecer. Os sinos explodem primeiro em meu coração. Meu costume é ser cético e achar, na hora, que é apenas um pensamento bobo, um medo, uma preocupação, até que o pressentimento se confirma. A maturidade não dissipou a minha desconfiança no momento em que recebo o sinal.

O sexto sentido não é levado a sério - e nem adianta ter sexto sentido se os outros cinco são subaproveitados. Não costumo expor para as pessoas para não receber estigma de um falso profeta e gerar desconfiança ou fila na porta de casa.

Não é um dom para a sorte, mas uma predisposição para dividir as dores.

Não acerto resultados da tabela do futebol (meus palpites sobre o meu time são desastrados), não antevejo os números da Mega Sena, não me tornarei rico na roleta ou no turfe, é uma intuição caseira, feita de empatia e vulnerabilidade. Tampouco posso me vangloriar da característica, é mais uma fraqueza do que uma força.

Quando pequeno, um dia antes da vó paterna morrer, eu sonhei que a minha bisavó (não a conhecia) me entregava um telegrama avisando do falecimento. Contei para a mãe logo que eu acordei, de tarde veio a condolência. A sorte é que a minha mãe não ficou assustada e me protegeu da exploração de fé.

Já enxerguei e conversei com fantasmas, já previ acidentes dos meus próximos, já antecipei informações íntimas e confidenciais de amigos que eu não havia como descobrir no Google.

E é natural fugir da linha do tempo quando gostamos de alguém. Avança-se sem querer no amanhã, apesar de estar preso ao hoje.

Todos somos interligados, todos somos conectados mesmo quando estamos off-line.

CARPINEJAR

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