terça-feira, 12 de março de 2019



CÍNTIA MOSCOVICH

POESIA VIAJANTE


Lançado no final do ano passado em Portugal e no Brasil pela editora Urutau, o livro de poemas Outono de Azul a Sul marca a estreia de Cali Boreaz na literatura. Ilustrado por dois artistas plásticos, um brasileiro e um português, Edgar Duvivier e António Martins-Ferreira, o livro reúne - literalmente - o melhor de dois mundos. Com poemas curtos ou muito curtos (como em Avião: "Na asa azul da saudade / de cá e lá".), Cali tem a brejeirice e a luz das praias cariocas aliadas a um profundo rigor lexical, com a elegância sempre tão cara aos autores lusos.

Nascida em Portugal, a autora decidiu aventurar-se pelo mundo, estudando tradução na Romênia e, depois, no Rio. Essa alma viajante, que ela revela na abertura do livro, resulta em belas e desconcertantes imagens (... "converso com versos com o mar que mora entre o Rio de Janeiro e Lisboa, ambas cidades alaranjadas. De tanto olhar o mar, meus olhos se tornaram navios").

O mar, imagem recorrente, assume importância e movimentos diversos, como em Morenitude: "moreno mar que me chamas, com sussurros mil / de sereias, à viagem descobridora, / como esquecer a delícia e o espanto dessa / hora areia horizonte distante de / canela e caril").

Com um tom feminino - e o "feminino", aqui, quer dizer o aguçamento dos sentidos, um olhar atento e perspicaz, uma riqueza de sentimentos em que o materno e o fraterno se embaralham -, a poeta abraça uma temática reflexiva, sem abrir mão da ironia, como quando conta da noite em que escutava Cartola no Youtube e na qual pensou "olha: estar convencida / de algo é grande coisa, / eu que, assim, nem convencida estou / de que viver é a coisa certa / a se fazer neste mundo").

Poeta vigorosa, que se esquiva do tom de lamúrias, optando por um texto que prefere ser protagonista a testemunha, Cali Boreaz estreia em ótimas companhias. Seu Outono de Azul a Sul mereceu posfácio de João Almino, diplomata e imortal da Academia Brasileira de Letras, e orelha da escritora portuguesa Ana Teresa Pereira e dos escritores brasileiros Paula Fábrio e Francisco Azevedo. Bem-vinda a bordo, poeta.

CÍNTIA MOSCOVICH

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