quinta-feira, 21 de março de 2024


21 DE MARÇO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DENGUE E SANEAMENTO

A escalada da dengue no Brasil em 2024 também chama atenção para um aspecto que contribui para a proliferação do mosquito transmissor: a deficiência do saneamento básico no país. Especialistas vêm reiteradamente alertando que a oferta insuficiente de água potável para a população e os problemas de coleta de esgoto são fatores que contribuem para a multiplicação do Aedes aegypti.

O mais recente relatório anual do Instituto Trata Brasil sobre o tema, divulgado ontem, é eloquente: 32 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e 90 milhões não contam em suas moradias com serviços de coleta de esgoto. O inseto vetor da dengue, da chikungunya e da zika agradece.

A fêmea do Aedes aegypti põe seus ovos em pontos desprotegidos com água acumulada. Prefere a água limpa, mas também não despreza a suja. Sem a infraestrutura adequada nas residências, milhões de famílias têm de armazenar água para o consumo e outros tipos de utilização, o que muitas vezes fazem de forma inadequada. É o cenário ideal para a reprodução do mosquito. A falta de coleta de esgoto também contribui para o surgimento de criadouros, além de elevar os riscos de contaminação da população por outras doenças de veiculação hídrica, como hepatite A, leptospirose e esquistossomose, entre outras.

A epidemia de dengue deste ano também é atribuída a fatores climáticos, como o El Niño, que entre outras consequências eleva as temperaturas médias. Mas deve-se lembrar a advertência repetida de cientistas de que o planeta passa por um período de aquecimento. Ou seja, há a tendência de que os termômetros sigam registrando marcas elevadas. Trata-se de mais um aviso da importância de o país se esforçar para cumprir o preconizado pelo marco legal do saneamento, aprovado em 2020. A legislação prevê a meta de chegar a 2033 com 99% da população brasileira atendida por água tratada e 90% por coleta e tratamento de esgoto.

O quadro atual, porém, indica que será bastante difícil de o objetivo ser alcançado no prazo estabelecido. Basta observar os dados obtidos pelo Trata Brasil no ranking que detalha os números dos cem maiores municípios brasileiros. Os 20 mais bem colocados, que portanto são os que fazem melhor a lição de casa, de 2018 a 2022 investiram em saneamento básico o equivalente a R$ 201,47 por habitante, 13% abaixo do valor calculado pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) para alcançar a universalização. Os 20 piores, por sua vez, registraram aporte médio de R$ 73,85. É um montante 68% abaixo do recomendado. 

Outras informações preocupantes revelam que, na passagem de 2021 para 2022, o índice de coleta de esgoto no país subiu de 55,8% para 56%, um avanço de apenas 0,2 ponto percentual. No caso do tratamento, foi de 51,2% para 52,5%, aumento de somente 1 ponto percentual. Isso significa que o volume diário de dejetos jogados na natureza equivale a 5,2 mil piscinas olímpicas. A falta de saneamento também cria passivos ambientais.

De acordo com o Painel de Arboviroses do Ministério da Saúde, o país soma quase 2 milhões de casos prováveis de dengue neste ano, com mais de 600 mortes confirmadas e outras mil em investigação. Espera-se que, em um futuro nem tão distante, um avanço mais significativo no acesso da população à água potável e à coleta e tratamento de esgoto, ao lado de uma disponibilização maior de vacinas, contribua para o país ter um combate mais efetivo à dengue. 

O marco do saneamento pode auxiliar de forma decisiva. A maior abertura do setor para a iniciativa privada, que dispõe de mais recursos para investir em comparação com as estatais do segmento, tem o potencial de acelerar os aportes necessários para a universalização.

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