segunda-feira, 12 de agosto de 2019


12 DE AGOSTO DE 2019
CLAUDIA LAITANO

Realismo distópico


Sabe aquela série que faz você relaxar e esquecer dos problemas do mundo enquanto derruba dois cálices de vinho e belisca, distraído, um aperitivo? Pois Years and Years, coprodução da BBC com a HBO exibida no Brasil entre 28 de junho e 2 de agosto, tem mais ou menos o efeito contrário.

São apenas seis episódios, mas nenhuma angústia contemporânea parece ter escapado aos roteiristas. Durma-se com um barulho desses: democracias evaporando, aquecimento global, crise dos refugiados, populismo em alta e jornalismo em baixa, profissões deixando de existir, ameaça nuclear e, em paralelo a esses e outros problemas, o avanço da tecnologia sobre o corpo humano e cada mínimo aspecto da vida cotidiana, aumentando a insegurança dos mais velhos e menos preparados e disseminando a sensação de "obsolescência programada" da nossa espécie. Tá bom ou querem mais?

A história começa em 2019 e vai acelerando aos poucos rumo ao futuro, abarcando um período de 15 anos na vida da família Lyons, composta por quatro irmãos que representam diferentes extratos sociais (uma ativista política, uma dona de casa, um funcionário público e um operador do mercado financeiro) e a avó deles, símbolo de uma Inglaterra que vai deixando de existir sob a influência de eleitores apavorados e líderes populistas que sabem tirar proveito do medo, como Vivienne Rook (Emma Thompson). Rook é uma novata no mundo da política e conquista a simpatia do eleitorado britânico sendo chauvinista, "sincerona" e exibindo orgulhosamente sua ignorância a respeito de quase todos os assuntos que interessam às pessoas sérias. (Só mesmo os ingleses para caírem numa armadilha dessas. Tst, tst, tst...)

Years and Years lança o espectador (aquele mesmo que sentou-se no sofá pensando em relaxar...) em um perturbador vórtice de realismo distópico - distante, pero no mucho, do mundo de hoje. Nada do que acontece nesse futuro tão próximo parece inverossímil ou descabido. Pelo contrário. Como peças de dominó que se precipitam umas sobre as outras, vamos acompanhando cada etapa da engrenagem do caos sendo colocada em movimento. 

Perto do final da história, uma personagem diz que podemos jogar a culpa do caos nos bancos, no governo, na recessão, na oposição, no clima, na história, mas, no fim das contas, o presente (nosso futuro) nada mais é do que o resultado de tudo aquilo que começamos a construir, em conjunto, no passado (ou seja, hoje mesmo).

CLÁUDIA LAITANO

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