sexta-feira, 7 de julho de 2017



07 de julho de 2017 | N° 18891 
DAVID COIMBRA
Ramiro, o passarinho

OPotter alvoroçou a torcida gremista ao gravar um vídeo em várias línguas sugerindo que clubes estrangeiros comprem jogadores do Grêmio. Foi uma brincadeira, óbvio, mas os torcedores se incomodaram como se empresários e dirigentes do mundo inteiro já não soubessem quem são os jogadores do Grêmio, como eles atuam e qual o seu valor.

Mas houve algo que o Potter falou que, de fato, poucos observam. Ele disse:

– Bayern de Munique, olhe para o Ramiro! Ele arruma qualquer meio-campo!

E é verdade. Ramiro é um tipo de jogador indispensável na montagem de um time vencedor. É mais fácil fazer a reposição do luzidio Luan do que a do opaco Ramiro. O Ramiro é um Tinga. Nos times do Tinga, Marcelinho Paraíba e Fernandão refulgiam, mas ele é quem corria.

Recuando mais um pouco, encontro Ramiro em Iúra, e é em Iúra que me detenho. Iúra, apelidado O Passarinho, era o maior ídolo do meu amigo Jorge Barnabé, mesmo nos anos em que o Inter ganhava sempre. É que o torcedor do Grêmio tinha em Iúra um inconformado.

Nos Gre-Nais, sua tarefa era marcar Carpegiani ou Falcão, só isso. Uma vez, ao conversar com Iúra em sua Dentária, na Rua da Praia, ele mencionou algo que eu sempre via nos clássicos. Era uma habilidade especial do Carpegiani. Acontecia assim: o Manga, de dentro da área, lançava a bola com a mão para o meio do campo. O Manga era forte, a bola ia longe. E encontrava Carpegiani mais ou menos ali pelo grande círculo. Carpegiani estava de frente para o Manga. 

De costas para o goleiro do Grêmio, portanto, fosse Picasso ou Cejas ou o baixinho Jair. Atrás dele, bufava e resfolgava o Iúra. Pois o Carpegiani, no momento em que a bola caía em seus pés, encaminhava a jogada de ataque em um único movimento de corpo, para a direita ou para a esquerda, espantosamente surpreendente, espantosamente límpido, descobrindo um corredor aberto na defesa e metendo, por entre ele, a bola para um feliz atacante. Eu me admirava: como ele consegue fazer isso de forma tão simples?

Em sua Dentária, sem que eu perguntasse, o Iúra falou dessa jogada.

– Eu nunca sabia para onde ele ia sair – disse. – Era um inferno.

Mesmo assim, o Iúra não desistia. Marcava o Carpegiani com ânsia, devoção e até um pouco de raiva.

Como o Inter acumulava títulos, Iúra não contava com muitos torcedores como o Jorge Barnabé – volta e meia, a torcida se impacientava com ele. Pudera: Iúra era egresso da várzea, do Itapeva, da Floresta, não viera com o prestígio de um Ortiz, que o Grêmio contratou em 1976 e foi campeão do mundo em 1978. Por isso mesmo, Iúra perdeu a posição naquele ano. O meio-campo formou com Jerônimo, Alexandre Tubarão e Neca, todos eles habilidosos, todos eles lentos. No fim do ano, Iúra seria emprestado à Portuguesa, mas Telê Santana levantou a mão:

– Alto lá! Esse cara é importante para o meu time!

Iúra ficou e tornou-se um dos heróis de 1977. Entre suas façanhas está a de marcar o gol mais rápido da história dos Gre-Nais, aos 14 segundos de jogo, sem que nenhum jogador do Inter tivesse sequer tocado na bola. E agora, dias atrás, Ramiro marcou um gol aos 44 segundos, fazendo-me tomar a decisão: tenho de escrever sobre esse cara.

É o que faço. Ramiro, o pequeno Iúra do século 21, fará história no futebol. O velho Iúra, aos poucos, foi ganhando outros fãs além do Jorge Barnabé, entre eles outro amigo meu, o Élvio Santos. O Élvio sempre falava do Iúra para seu filho, e falava saudoso, suspirando:

– Iúra, O Passarinho...

Uma vez, ao entrar no Estádio Olímpico com o guri, quem o Élvio vê sentado nas arquibancadas? Ele. O Passarinho!

Iúra continuava com o bigodão dos anos 1970, mas já não era o tipo magérrimo, elétrico e furioso que um dia deu uma voadora no peito do Falcão. Havia engordado bastante, graças aos anos de sedentarismo e à prosperidade. Élvio, entusiasmado, apontou para ele:

– Olha lá, filho! O Iúra, de quem tanto falo!

O menino ficou encantado ao encontrar o antigo ídolo do pai. E decidiu pedir um autógrafo. Aproximou-se meio sestroso daquele senhor grave que cabia com alguma dificuldade na cadeirinha de ferro. Quando estava perto, pediu licença. O homem olhou para ele. E ele, tímido:

– Desculpe... O senhor é que era o Iúra?

O tempo, o tempo...