sábado, 22 de julho de 2017




22 de julho de 2017 | N° 18904 
LYA LUFT

Viver, morrer

“Se isso acontecer, eu vou me matar!” “Juro que, se for verdade, eu me mato!” Quantas vezes se dizem coisas assim, mas na brincadeira, aqueles exageros em que nem o seu autor acredita. Da mesma forma, dizemos a um amigo, na galhofa: “Eu te mato!”. Não são frases para se levar a sério, então a gente nem se impressiona. Rimos juntos. Mas isso que dizemos de troça é para outros uma realidade insuportável, que não só leva alguém amado (sempre tem quem nos queira bem) como destroça famílias e machuca amigos.

Por que nos matamos? Que último passo no abismo disso que imaginamos ser a tranquilidade eterna é esse e por que o realizamos? Dor insuportável? Uma amiga querida, diante de um sofrimento que parecia além da sua capacidade, pensou em se jogar lá de um 11º andar. “Foi só um lampejo”, ela disse, “mas lembrei que tinha filhos a quem causaria sofrimento.” E, afinal, ela amava a vida com suas tragédias e maravilhas. Muitos passam por isso e não se matam. É quase como, em criança, diante de um castigo ou de uma dessas injustiças bobas – que para uma criança parece homérica –, se pensava em fugir de casa. “Vou fugir de casa. Mas para onde vou?” A saída é a casa dos avós, mas... não seria uma grande façanha.

Porém, quando se trata de nos jogarmos nos braços da Senhora Morte, que nos esconderá em suas largas mangas e, pensamos, nos livrará de todo o desespero, não são devaneios infantis. É drama, é tragédia, é o inominável e incompreensível. “Que pena”, a gente pensa ao saber, “que pena!”. Pois, muitas vezes, dias ou horas depois do suicídio, o drama talvez se resolvesse. Se tivéssemos aberto o coração para alguém digno dessa confidência extrema, quem sabe nos salvaria um ombro amigo ou uma palavra de conforto verdadeiro.

Conheci alguns suicidas. Conheci famílias de vários deles. Fiquei envolvida nessa dor misturada com incredulidade e revolta, de quem foi deixado para trás, talvez sentindo-se traído: “Por que não me procurou?”. Mas não somos onipotentes.

Matou-se muito tempo atrás um adolescente amigo de meus filhos, todos naquela idade. Ainda lembro a tristeza e inquietação deles: “Quando foi que poderíamos ter ajudado? Quando ele quis pedir ajuda e a gente não percebeu, e só falamos bobagem e chamamos pra jogar bola?”. Lembro do suicídio do paciente de um amigo psicanalista, que lhe dera alta dias antes: “O que eu deveria ter visto? Onde falhei com ele, eu, profissional e pessoa que o estimava tanto?”. E o experiente médico chorou.

Nesses dias, mataram-se amigos de amigos meus: cada vez, espanto e dor, e a insensata culpa: “O que eu poderia ter feito, se soubesse?”. Provavelmente nada. Não sei o que leva alguém a se matar enquanto outros superam crises até mais graves. Há pessoas que nascem mal equipadas para a vida. Sua pele é tão delicada, que qualquer brisa pode ser o bafejo da morte. Há coisas que nem a melhor terapia, o melhor médico, o melhor pai ou mãe ou parceiro pode resolver: a busca de alívio e esquecimento, de um sono sem sonhos. Há um poço na alma humana onde ninguém penetra. Entrar lá significa para alguns o gesto final.

O jeito é acolhermos a todos, ainda que tardiamente, no mais respeitoso silêncio. Muita coisa nesta vida não faz sentido. Mesmo assim, é preciso querer viver.