sexta-feira, 14 de julho de 2017

14 de julho de 2017 | N° 18897 
CLÁUDIA LAITANO

Cúmplices

Os Kardashian são aquela família mundialmente famosa por ter descoberto a fórmula secreta da geração espontânea de fama a partir de pouca ou nenhuma matéria-prima anterior. Modelo para milhares (milhões?) de candidatos a celebridade ainda na dura batalha pelo primeiro milhão de seguidores, os Kardashian são também a família mais vigiada do planeta – os reality shows envolvendo membros ou ex-membros do clã são quase um gênero à parte na televisão americana. Nesse ninho dourado em que cada suspiro é uma selfie, a exuberante Kim é o flamingo rosa-choque capaz de quebrar a internet com uma única pose – enquanto o varão da família, Rob, é o patinho feio com visível vocação para ser menos ainda do que já não é.

Pois Rob Kardashian, quem diria, deu um jeito de aparecer mais do que as irmãs na semana passada, promovendo o primeiro episódio de “revenge porn” (a vingança virtual com vazamento de fotos íntimas) em escala global de que se tem notícia – ou pelo menos um dos mais comentados. No Instagram, que o bloqueou, e depois no Twitter, onde derramou sua raiva em muito mais do que 140 caracteres, Rob Kardashian desfiou ataques em série à ex-namorada, mãe da sua única filha, como quem se sente no direito de lavar a roupa suja de casa em plena praça pública – no caso, a internet.

O episódio impressiona menos pela estupidez do gesto, tristemente vulgar nos dias de hoje, do que pela escala que assumiu. Que a vida medíocre de uma subcelebridade desperte interesse de milhões de pessoas ao redor do planeta não chega a ser novidade, mas que tamanha assistência possa ser mobilizada para tornar-se plateia/cúmplice de um crime é daquelas novidades da vida contemporânea capaz de deixar qualquer um sobressaltado – mais ou menos como imaginar que as decisões que podem dar início a uma guerra nuclear estão ao alcance de uma alma minúscula como a de Donald Trump.

A divulgação de fotos íntimas sem autorização é crime, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Mas, infelizmente, não é percebida como tal – ou não teria se tornado tão comum receber e mandar fotos alheias como gesto de autoafirmação, vingança ou mesmo camaradagem masculina. Uma reportagem publicada na semana passada pela revista Time calcula que um a cada quatro homens já recebeu imagens pornográficas por redes sociais ou serviços de mensagem – enquanto 23% admitem ter se tornado cúmplices do crime passando as fotos adiante.