terça-feira, 25 de julho de 2017


25 de julho de 2017 | N° 18906 
DAVID COIMBRA

Vadiagem na tarde

Estávamos aboletados na sacada, eu e meu filho, roendo uma maçã. O pedaço dele era menor, correspondente à distraída vontade de comer maçã que sentem os meninos de nove anos de idade. Fazia calor. Como você sabe, nesta metade de cima do mundo é verão.

O verão aqui é como o inverno aí. No inverno gaúcho, o frio resiste por três ou quatro dias, as pessoas enrolam mantas no pescoço e vão para Gramado, comer fondue. Então, requenta e as pessoas arrancam as mantas e enfiam-se em camisetas.

Aqui também é assim, só que ao contrário: no verão, o calor abafa a cidade por três ou quatro dias, as mulheres se põem em shorts minúsculos e tomam banho de sol nas praças. Aí chove, a temperatura recua e ninguém mais faz churrasco na varanda.

Esse dia de que trato agora, porém, estava quente. Sentados na varanda, eu e o Bernardo sentimos o afago de uma brisa que vinha do Atlântico ali adiante. Aquilo me deu uma preguiça, um amolecimento, uma vontade de não fazer nada, e foi exatamente o que fiz. Ou melhor, não fiz. Fiquei olhando para coisa alguma, enquanto pensava em coisa nenhuma.

Cravei a última mordida na maçã. Deitei o caroço na mesinha ao lado. Meu filho também deu cabo do pedaço dele. E assim ficamos, quietos, quase sem nos mover, observando o amarelo do sol nos telhados e as folhas que balançavam ao vento.

Seria essa a tal indolência típica dos trópicos? Seria essa a causa dos nossos manés moles, da pachorra, da preguiça, do nosso subdesenvolvimento?

Mas e a Rússia? A Rússia é gelada, em Moscou é normal empedrar-se a 45 graus abaixo de zero no inverno, e a Rússia é a Rússia, acometida talvez por mais dores do que sente o brasileiro.

E a Austrália? Na Austrália há calor e surfe, mas a Austrália é quase que uma Noruega em qualidade de vida.

O sol não tem culpa, portanto.

O sol nos fazia bem, naquela tarde na sacada. Permanecemos calados, lado a lado, pai e filho, como dois bichos da natureza, ou como os lírios do campo, que não tecem nem fiam, apenas existem. Apenas são.

Só depois de algum tempo como que despertei e dei-me conta daquela nossa comunhão em silêncio. Ou do que julguei ser comunhão. E foi esse meu primeiro pensamento ao retomar a, digamos, consciência prática: estaria o meu filho experimentando a mesma sensação de doce vadiagem e de doce parceria? Fiquei em dúvida, até que ele, como se tivesse me ouvido pensar, disse, sem mexer o pescoço ou tirar o olhar do vazio no horizonte:

– É bom, né, papai?

Sorri e concordei: – É bom...