sábado, 22 de julho de 2017


22 de julho de 2017 | N° 18904 
MÁRIO CORSO

BATER EM MULHER


Era para ser um churrasco do tipo clube do bolinha, como outros. Para fora, na beira de um mato. Dentro do hálito das árvores, não longe, uma sanga deixava-se ouvir.

Os que não tinham onde estacionar suas crianças as levavam junto, e lá estava eu com meu pai. Nós sobrávamos: receber comida era a única deferência, pois era uma festa para adultos. Ficávamos por conta e aprontando.

Um dos guris era especialmente interessado em surrupiar cigarros e cerveja dos pais para a nossa festa particular. Também íamos para os carros. Cada qual mostrando aos outros as armas que estavam no porta luva. Sempre um mais ousado, pouca coisa mais velho, enchia uma camionete e andávamos na caçamba pela vizinhança.

Não se alarme, eram os anos 60, naquela época a humanidade acreditava- se invulnerável. Nada fazia mal, nada era perigoso, nada traumatizava e o que causava escândalo eram outras coisas. Mas naquela ocasião não fomos nós que nos comportamos mal.

Dois desafetos se encontraram. O curioso do causo: eram primos. Para desgosto dos parentes, sempre se desentenderam. Algum segredo de família, desses que geralmente envenenam em silêncio, neles fazia barulho. Mas agora já eram homens feitos, casados, esperava- se que já tivessem esquecido as pendengas da juventude.

Que nada, um pouco de álcool e a brasa do ódio reavivou. Começaram com indiretas em voz alta. Cerveja vai, cerveja vem, foram se acercando e aumentando o tom. A bravata inicial foi ficando séria, turvando o clima e gorando a festa. Os bombeiros já foram se aprochegando para evitar o pior. Enquanto isso a trova seguia e o destempero subia.

Até que um dos primos disse: – Se acalmem, não vai ter briga. Só brigo com homem. Na minha ideia quem bate em mulher não é homem.

Pois a esposa do outro era uma senhora flor de desajeitada. Todos sabiam que ela batia com o rosto em maçaneta de porta, caía de escada, escorregava no banheiro. Acho que me entendem.

Desvelado em sua vilania o outro parou, engasgou, perdeu a voz. O vexame não foi maior porque os amigos já estavam tirando os dois da cena. Assim não ficou tão explícito o nocaute moral. E fizeram um bom serviço pois o ofendido não voltou com um revólver, como é comum quando se perde com as palavras.

Na época vibrei com a frase. Claro, é uma ética de macheza à moda antiga. Não reconhece as mulheres como iguais, as protege como crianças. Mas há algo nela que é interessante: insiste no caráter covarde e, ainda melhor, desqualifica a virilidade do agressor. Com isso corta a cumplicidade masculina. Se mais homens pensassem assim, menos maçanetas atacariam olhos.