sexta-feira, 21 de julho de 2017



21 de julho de 2017 | N° 18903 
DAVID COIMBRA

O que ensina a história do Sant’Ana

Depois que brigamos no ar, eu e o Sant’Ana, ele ficou meio que obcecado. Escrevia sobre mim duas, três vezes por semana, sem me citar o nome, é claro, mas ressaltando seu ressentimento. Eu era seu maior inimigo, o homem que ele odiava e por aí vai.

Honestamente, aquilo não chegava a me incomodar. Achei até divertido quando Sant’Ana me definiu como “atlético”, ao contar a respeito de um dia em que cruzamos pelo corredor do jornal e ele sentiu vontade de me esmurrar, mas temeu a reação. As pessoas pensavam que tamanha insistência me chateava, mas, para mim, aquele era um assunto resolvido e, depois que resolvo, resolvido está. Fim. Acabou.

Entre as pessoas que se preocuparam com a situação estava o Nelson Sirotsky. Um dia, ele me chamou à sala dele e perguntou como queria resolver o caso de uma vez. Antes que eu falasse, porém, Nelson fez uma observação:

– Sei que o Sant’Ana está em um momento difícil, está doente e brigando com muita gente, mas quero te dizer que não vamos demiti-lo ou coisa parecida. Temos uma dívida de gratidão com o Sant’Ana.

Aquilo me deixou encantado. Não são muitas as empresas que reconhecem a este ponto os serviços prestados por um profissional e o amparam mesmo quando ele possa causar inconveniências. Disse isso para o Nelson e acertamos uma maneira de eu e o Sant’Ana seguirmos nossos caminhos sem entrar em rota de colisão.

Conto essa história para sublinhar o quanto o Sant’Ana foi importante não apenas para a RBS mas para a comunicação do Rio Grande do Sul. Como sua trajetória foi incomum. E o que ela pode ensinar.

Sant’Ana fez parte de uma geração única, sobretudo porque o jornalismo era completamente diferente quando ele começou e se consagrou. Não era como hoje, com essa abundância de veículos propiciada pela internet e pela tecnologia da TV a cabo. Era só jornal, rádio e TV, e poucos desses se ocupando de jornalismo. Durante 40 anos, Sant’Ana foi titular dos principais espaços nesses veículos. Ele, Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros, Lasier Martins e Ana Amélia habitavam as faixas nobres e eram lidos, ouvidos e vistos pelos gaúchos o dia inteiro. Isso, hoje, é impossível, pelo menos naquela intensidade.

Sant’Ana, como poucos, soube ocupar esses espaços com dedicação absoluta, a ponto de muitas vezes colocar a família, os amigos e a própria saúde em posição subalterna. Sant’Ana viveu para a sua popularidade, foi quase que escravo dela e, assim, tornou-se um personagem da RBS, do jornalismo gaúcho, de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Sant’Ana sacrificou muito por esse anseio de reconhecimento, sacrificou quase tudo, mas, em troca, ganhou uma espécie de imortalidade.

Eu, que fui seu amigo e, depois, acabei sendo considerado por ele como seu maior inimigo, olho para a história do Sant’Ana não exatamente como um exemplo, mas como uma lição. Como uma prova de que viver com plenitude pode até nem trazer felicidade para você ou para os outros, mas certamente fará com que a sua vida faça diferença num mundo de tanta gente igual.