quarta-feira, 19 de julho de 2017



19 de julho de 2017 | N° 18901 
DAVID COIMBRA

Me perguntem!

Não é por acaso que os gauleses de Asterix se recusavam sequer a citar o nome “Alésia”. “Não me perguntes onde fica Alésia!”, gritavam eles a quem perguntava.

De fato, foi uma derrota inverossímil, façanha tão improvável dos romanos, que alguns historiadores chegaram a duvidar do relato que dela fez Júlio César em A Guerra Gaulesa. Arqueólogos modernos, porém, empreenderam pesquisas científicas e concluíram que César havia sido espantosamente honesto no que contou.

Aconteceu que o líder rebelde, o cabeludo Vercingetórix, estava acantonado em Alésia com cerca de 60 mil homens quando César chegou com outros 60 mil. Um combate de igual para igual, portanto. Só que não. De todos os pontos da Gália, 250 mil guerreiros vinham para prensar os romanos entre duas forças e esmagá-los até que ficassem do tamanho da popularidade de Temer.

César foi informado da iminente chegada desses 250 mil, e se assustou como se fosse Lula vendo um carro da Polícia Federal. Não tinha como ir em frente, nem como recuar e fugir. O que ele fez, então, foi obra de gênio: estudando o terreno, convocou seus engenheiros e mandou que construíssem duas barreiras concêntricas em volta de Alésia. O exército romano era famoso por sua capacidade de erguer muros e cavar fossos com rapidez. E assim trabalharam afanosamente os soldados, levantaram as duas muralhas e puseram-se entre elas. Agora, Vercingetórix e os 60 mil que comandava não podiam sair de Alésia, e os 250 mil que vieram não podiam entrar.

O trabalho dos romanos, a partir daí, foi fustigar eventualmente os inimigos que estavam postados no lado de fora e impedir que os que estavam do lado de dentro saíssem. César contava com a disciplina do exército romano e a indisciplina do gaulês. Deu certo. Os 60 mil gauleses de Vercingetórix começaram a sofrer com a fome, enquanto os 250 mil da parte exterior, confusos, aos poucos se dispersavam. Sem imaginar que os mantimentos dos legionários também estavam próximos de acabar, Vercingetórix decidiu se render. 

Ataviou um cavalo e dirigiu-se ao acampamento romano. César o esperava, cercado por seus generais. Em silêncio grave, o líder bárbaro se aproximou e atirou aos pés de César sua espada, seu capacete e seu escudo. A cena causou grande impressão em todos que a assistiram, pela dignidade demonstrada por Vercingetórix.

Mas não comoveu César. Ele mandou que o inimigo fosse acorrentado e levado a Roma, onde foi jogado em um calabouço pior do que o Presídio Central de Porto Alegre. Lá, Vercingetórix passou seis anos, sofrendo em desespero, até que César o expôs em triunfo pelas ruas da cidade, antes de mandar estrangulá-lo.

Com um golpe de genialidade, César conquistou a Gália inteira e deu a Roma um território duas vezes maior do que o da Itália. Mais: guarneceu o Império de invasões bárbaras por 400 anos, estendeu a língua latina para o centro da Europa, mudou a cultura, as leis e os costumes de dezenas de povos e, de certa forma, tornou-se o pai da França moderna.

Tudo isso graças a uma única boa ideia, empregada em uma única batalha.

Grandes líderes às vezes têm tais inspirações.

Hoje, no Brasil, dá-se o inverso. Pela primeira vez na História, um país está sendo transformado por um grupo de homens comuns, sem contar com o poder das tropas, o poder do dinheiro ou o poder político. Juízes, promotores e policiais da Lava-Jato, desconhecidos funcionários públicos de carreira, estão, finalmente, mudando o Brasil, como todos nós sempre esperávamos. Os maiores nababos, os políticos mais influentes, os poderosos intocáveis foram enfim tocados. A Lava-Jato é a nossa Alésia. E nós somos os romanos. Nós vamos vencer. Perguntem-me de Alésia!