quarta-feira, 26 de julho de 2017


26 de julho de 2017 | N° 18907 
DAVID COIMBRA

Cena histórica na novela


Vi uma cena histórica na novela das nove. E já aviso: não adianta ficar me incomodando com aquilo de “ah, então tu assiste novela...”.

Nem assisto. Mas assistiria, sem preconceitos. Minha questão com as novelas é que sempre estou fazendo outra coisa no horário e os dramas são arrastados como os problemas da vida, com desfecho súbito como não têm os problemas da vida.

Então, vejo pedaços de vez em quando, e basta para saber o que está acontecendo e o que vai acontecer. Até porque o tempo urge. Não consigo fazer tudo o que deveria. Por exemplo: os vídeos. O mundo moderno é um mundo filmado. Fatos interessantes estão estourando a todo momento e as pessoas, generosas que são, têm ânsia em compartilhá-los. Aí elas me mandam vídeos, dezenas de vídeos por dia. Sei que estou perdendo algo importante, mas simplesmente não há tempo suficiente para assistir ao que me enviam – passaria o dia inteiro vendo vídeos.

Por isso, imploro: não me mandem mais vídeos. Saber que deveria vê-los e não poder me dá uma tristeza.

Já a cena da novela, eu a vi logo depois do jogo do Grêmio com o São Paulo, ótimo jogo, apesar de o Renato insistir em emascular o time com a escalação de quatro volantes.

Terminado o jogo, mantive-me diante da TV, e foi bom, porque não se pode dizer que tenha sido uma cena comum. Mulheres em desforço físico é corriqueiro em novelas, mas duas contra uma, não, muito menos com o quilate das contendoras: Débora Falabella versus Maria Fernanda Cândido e Ísis Valverde.

Quero dizer, de antemão, que a aliança entre Maria Fernanda Cândido e Ísis Valverde é irresistível. Sempre torcerei por elas. No caso, mais ainda, porque Débora Falabella era a vilã.

Note que já tinha assistido a uma partida em que o Grêmio demonstrou, mais uma vez, como seus jogadores têm noção do jogo coletivo, correndo sem a bola tanto para defender como para atacar. Só que a cena da novela foi melhor.

Maria Fernanda Cândido, imperial, como sempre, encontra a amante do seu marido no banheiro de um restaurante. A amante é a pequena Falabella. Elas se desafiam, Falabella provoca. Maria Fernanda, enfurecida, saca da sua arma: um scarpin preto, salto Luís XIV, de 15 centímetros de comprimento e ponta afiada como faca de churrasco. Elas estão a cerca de quatro metros de distância, mas Maria Fernanda não hesita: arremete o scarpin com grande destreza, atingindo a inimiga no canto da boca. Falabella rilha os dentes e seus olhos reluzem de raiva. Empunha o scarpin que a magoou. Brande-o para Maria Fernanda e rosna, ameaçadora:

– Quer que eu vá aí te devolver?

Maria Fernanda puxa do sapado do outro pé e prepara-se para a luta. Aí chega o reforço, como se fossem os Estados Unidos entrando na guerra a pedido de Churchill: Ísis Valverde irrompe no banheiro com sua morenice e sua fresca juventude e, em um segundo, está apontando o queixo para Falabella. Mas Falabella é brava, não se intimida, continua afrontosa, até que Ísis lhe desfere UM SOCO! É um cruzado de direita muito bem assestado, na ponta do queixo, estilo Éder Jofre. Falabella desaba, Ísis monta nela e começa a espancá-la. Enche-a de tapa. Maria Fernanda se aproveita, vem de lá com aquele scarpin e, Cristo!, golpeia o rosto de Falabella várias vezes, como se quisesse desfigurá-la.

Do sofá, gritei:

– Vão transformar a cara dela em uma pasta de carne e sangue!

Quase isso.

Falabella saiu ferida, mas ainda desafiadora. Ela é má. As outras duas foram más. As mulheres podem ser más.