sexta-feira, 14 de julho de 2017



14 de julho de 2017 | N° 18897 
DAVID COIMBRA

O discurso de Lula

Não. Lula não entrou na política para enriquecer. Você acreditaria se eu dissesse que a maioria dos políticos brasileiros não entrou na política para enriquecer? Que o dinheiro não é a primeira motivação deles?

Na política, a saciação da vaidade motiva mais do que acúmulo de sonante.

Vaidade, poder, prestígio. São essas as palavras-chave da política.

Assisti ontem ao discurso do Lula. Nada de novo, a não ser o lançamento oficial de sua candidatura, que já havia sido lançada e que jamais será lançada. Lula não poderá se candidatar. Será condenado em todas as instâncias. Não há como absolvê-lo, tamanho o volume de provas contra ele. O caso do sítio de Atibaia, então, é ainda mais escandaloso do que o do triplex. O sítio de Atibaia é um acinte.

Mas Lula, na verdade, não quer se candidatar. Ele é esperto, sabe que não se elegeria. O lançamento de sua candidatura é um fato político. É a sustentação do discurso que fez ontem e que tem feito há muito tempo: ele está sendo perseguido pela “casa-grande” para não voltar ao poder. Graças a esse discurso, quando for condenado outras vezes, Lula preservará o prestígio, pelo menos entre os seus e alguns distraídos. Lembre-se que “prestígio” é uma das três palavras-chave da política.

Mas o que me trouxe até aqui foi o discurso de Lula. É o que me interessa. Lula é tido como grande orador. Acompanho-o com atenção desde o começo dos anos 80. Naquela época, ele era uma novidade, espécie de Lech Walesa dos trópicos. Eu trabalhava em Criciúma e o entrevistei algumas vezes. Numa delas, acho que em 1986, em um salão vazio da Igreja São José, no centro da cidade. Junto comigo havia dois ou três repórteres e dois ou três correligionários. Pouca gente para um personagem nacional. Prestei muita atenção nele e no que dizia, lembrando de como mesmerizava as multidões nas greves das indústrias automobilísticas do ABC, de São Paulo.

Mais tarde, estive com Lula no ABC, assisti a suas abordagens aos operários nas portas de fábrica e, em seus comícios, mantive-me bem em frente ao palanque para vê-lo e ouvi-lo. Fui à coletiva de vitória de Lula em um hotel de São Paulo, participei de entrevistas e o vi falar em inaugurações de obras. Ouvi, talvez, centenas de discursos de Lula, e mais esse de ontem.

Cheguei à conclusão de que Lula é um anti-Churchill. Winston Churchill. Você não precisa empreender nenhuma leitura pesada a respeito. Se fizer uma pesquisa rápida na internet, dezenas de frases instigantes de Churchill saltarão aos seus olhos. Algumas imortais, tipo: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

Mas Churchill não sabia falar; sabia escrever. Sua oratória é arrastada, sem vida, uma monotonia. Seu texto, por outro lado, é diamante lapidado. Escreveu 10 volumes sobre a II Guerra que estão entre as grandes obras-primas da humanidade. Em 1953, com todos os méritos, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

Lula é o contrário. De sua boca nunca saiu uma única frase digna da posteridade. Seu discurso é banal, as imagens que ele emprega são vulgares, a construção das frases é paupérrima. Lula nunca teve uma ideia original, nunca saiu da platitude absoluta. Mas ele consegue se comunicar.

Ontem, ao defender-se da condenação judicial, Lula não fez mais do que faria qualquer vereador do Brasil profundo. Repetiu uma argumentação tosca e cansativa. “A culpa é da Rede Globo.” “O juiz me persegue.” “A elite não quer que eu salve o pobre.” “Quem me ensinou a ser honesto foi minha mãe analfabeta.”

Uma retórica de colegial. Só que funciona. O público que Lula queria atingir, formado basicamente por petistas de credo ou de ocasião, acredita nele. Ou faz que acredita, o que, ao fim e ao cabo, é a mesma coisa. Lula tem algo intangível a seu favor: o carisma. Lula é como o seu Corinthians, que ganha jogos sem saber jogar. Lula fala bem, sem saber falar.