sábado, 15 de julho de 2017



15 de julho de 2017 | N° 18898AlertaVoltar para a edição de hoje

DAVID COIMBRA

  • O cabelo bem penteado

    Opai do meu amigo Amilton Cavalo, seu Hormain Calovi, hábil versejador do fundo do campo do Alegrete, queria que o filho penteasse o cabelo para trás. Era gana dele, isso de ver o rebento debaixo de um penteado bem domado por glostora ou brilhantina, tão reto, tão perfeito, que nem o minuano mais assobiante tirasse um fio do lugar.

    Mas o Amilton, não.

    O Amilton gostava de melenas soltas, como todos usávamos na época. Houve um tempo, até, em que o Jorge Barnabé e o Plisnou deixaram a cabeleira chegar aos ombros e... você não vai acreditar... e fizeram permanente! Sério! Você sabe o que é permanente? É uma coisa que as mulheres fazem para encrespar os cabelos. Então, o Jorge e o Plisnou saíam pelo IAPI (pelo IAPI!) em cima de tamancos de madeira e debaixo de cabeleiras artificialmente encrespadas.

    Claro que isso seria demais para o Amilton Cavalo. Até aí, ele não iria. Mas queria manter o cabelo livre feito um quero-quero na coxilha, para aflição do pai. Coitado do seu Hormain. Depois de muita campanha fracassada, de muita argumentação vã, o velho trovador do Alegrete, no afã de convencê-lo, apelou para um exemplo in extremis:

    – Olha para esses deputados e senadores. Todos homens sérios. Todos com o cabelo penteado para trás.

    Sempre lembro dessa história, porque ela representa bem o que significavam parlamentares para a gente do povo: homens sérios, homens com o cabelo penteado para trás.

    Hoje, tudo é diferente, e não apenas por congressistas com cabelo estranho, como aquele do Chico Alencar, mas principalmente porque ninguém mais considera os políticos “homens sérios”.

    A corrupção é uma causa dessa desilusão, mas não a única. O comportamento de Suas Excelências contribui muito para seu descrédito. Vive-se uma desolação moral e intelectual no Brasil.

    A votação do impeachment de Dilma na Câmara foi o reflexo disso. Cada deputado que ia ao microfone atirava um pedaço de vergonha na cara do eleitor. Mas, antes e depois, deputados e senadores esparramaram-se no lodo do ridículo gritando palavras de ordem, portando cartazes e agredindo-se mutuamente no plenário. Agora, nesta semana, o grotesco alcançou o paroxismo com senadoras tomando a mesa diretora da Casa, a fim de impedir a votação de um projeto que elas não aprovavam. Elas lancharam na mesa diretora, tiraram selfies, exibiram-se para os eventuais apoiadores.

    Falamos sobre o assunto no Timeline. A Kelly disse entender o gesto das senadoras como um protesto. Mas até onde pode ir um protesto? Vale tomar a mesa diretora? Vale quebrar algo? E soco, vale? Quem decide até onde irá um protesto?

    Deputados e senadores são legisladores. Ou seja: eles é que fazem as leis. Para isso estão lá. Se eles próprios não respeitam as leis, por que a população deveria fazê-lo?

    Um parlamentar ocupa a mesa diretora do Senado em protesto contra algo de que não gosta. Pode um militar ocupar a cadeira do presidente em protesto por algo de que ele não gosta? Por que não, se o fazedor de leis fez assim?

    Não interessa a natureza do projeto. Por acaso era a reforma trabalhista. Podia ser, quem sabe, uma lei sobre quotas nas universidades ou criação do Dia Nacional do Taxidermista, esse profissional que tanto faz pela sociedade. Não importa. O que importa é que essa atitude antidemocrática e truculenta das senadoras tornou-se um hábito entre os parlamentares brasileiros.

    O Congresso Nacional virou um colégio, os parlamentares viraram adolescentes. Gritar versinhos no plenário e reagir a cada revés com birra juvenil é um desrespeito ao eleitor, que espera ser representado com, no mínimo, dignidade. Ter compostura não é ser conservador. Ter compostura é respeitar as outras pessoas. E respeitar as outras pessoas, hoje, no Brasil, se transformou em um gesto revolucionário.