sexta-feira, 21 de julho de 2017



21 de julho de 2017 | N° 18903 
PAULO SANT’ANA

A arte de esperar

A gente tem de se conformar com o engarrafamento. Em realidade, a vida é feita de espera. A primeira vez que esperei de verdade foi quando, moço ainda, comprei o meu primeiro imóvel: um apartamento para morar com a família. O prazo de pagamento era de 20 anos (240 meses). Era no tempo em que havia o Banco Nacional da Habitação, uma forma para facilitar a aquisição da casa própria. Mas vejo só agora o horror: levar 20 anos para adquirir um imóvel. Acho que foi ali que aprendi a esperar.

Esperei para me formar em Direito, levei 10 anos. Esperei para ser delegado de polícia, fui inspetor de polícia durante 17 anos. Esperei para ter filhos; depois de longa espera, esperei para ter netos. Antes de ter carro, esperei durante muitos anos o ônibus; antes, quando ainda criança, esperava o bonde. Espero que cozinhem minhas comidas, espero que gelem minhas bebidas. Plantei um abacateiro e esperei muitos anos para que ele desse abacates. Esperei durante cinco horas, num nervosismo ímpar, para subir ao palco com Julio Iglesias. Esperei durante muitos anos para que trocassem minha coluna das páginas de esporte para esta página na qual agora me encontro. Deus sabe que espera angustiante.

Vejo só agora, neste balanço de esperas, que sempre houve desfecho para todas as minhas esperas. E estranhamente concluo que foram bons os desfechos de todas as esperas, com raras exceções. Nunca esperei ser rico, por exemplo. Ou apostar na Mega Sena, como aposto, é esperar uma fortuna? Acho que não: entre as esperas não se pode incluir os sonhos. Esperar é uma coisa, sonhar é outra. Esperar implica alguma materialidade no desejo. Sonhar já entra noutra esfera. É tão grande o que se pretende, que nem se exige do destino que ele nos dê tamanho contentamento. Ou euforia.

Em verdade, lhes digo, das coisas que me aconteceram na vida, uma só, uma única, não esperei: a velhice. Ela foi chegando sorrateiramente, sem prenúncio, sem aviso, com leves indícios: uma vontade de não tomar banho pela manhã foi o primeiro pipocar da velhice. Logo em seguida, foi uma dificuldade em sair do táxi, as dobradiças do corpo da gente parecem que estão enferrujando. E as moças, em toda parte que se vai, começam a nos chamar de “senhor”.

Velhice não tem espera, ela ataca à traição. Velhice é a pior doença. E ela ainda carrega consigo a pior maldição: é quando se tem pela primeira vez a ideia da morte. Mas esperar é sempre não a minha sina, mas a de todas as pessoas. Esperar que a pessoa amada diga sim. Esperar de quem nos ofende gratuitamente uma explicação. Esperar que nunca um amigo pronuncie uma recusa. E uma espera que confesso me consumiu sempre em toda a minha vida: a espera de uma reconciliação. Há ex-amigos que morreram brigados comigo, foi em vão a espera de que tivéssemos feito as pazes. Muito triste, desolador... A vida só é feita de esperas. Desde as mais curtas até as mais longas. E a mais dolorosa, a pior de todas as esperas, é a inútil.

Crônica publicada originalmente em 29 de abril de 2011.