sexta-feira, 7 de julho de 2017


Jaime Cimenti
Crônicas de Rubem Braga 

Hoje, aquelas crônicas tipo assim literárias, líricas, de frases bem torneadas como pernas de belas mulheres, crônicas que falavam das pequenas grandes coisas do cotidiano ou da falta de assunto - e que às vezes eram as melhores -, praticamente não existem mais. Hoje, o cronista redige pequenos artigos de opinião em cima dos milhões de informações, fotos e opiniões das redes sociais. 

O cronista que ia para a rua, ouvia as pessoas e os sons diversos, sentia os odores e perfumes da rua, tateava múltiplas superfícies e degustava comida de botequim ou de restaurante, este cronista está em extinção, como o mico-leão dourado. Rubem Braga - O poeta e outras crônicas de literatura e vida (Global Editora,102 páginas), com seleção e prefácio de Gustavo Henrique Tuna, escritor, doutor em História Social e mestre em História Cultural, traz 25 crônicas inéditas em livro daquele que muitos ainda consideram o maior cronista brasileiro. Braga deu status de literatura para o gênero crônica e seus textos, quer pelo conteúdo, quer pela forma, estão em muitos livros que passam tranquilamente pelo julgamento do tempo e dos leitores. 

Neste simpático volume, Braga é muito bem-humorado, afetivo e generoso. São crônicas sobre escritores, intelectuais, poetas, contistas, críticos, filólogos, historiadores, jornalistas e outros profissionais da palavra. A que dá título à obra é sobre Carlos Drummond de Andrade. Trata do novo livro do escritor à época, da falta de água no seu prédio, o que o deprimia. Braga escreveu um belo texto sobre Clarice Lispector, dizendo que "no quarto centenário do Rio, sentimos com orgulho e prazer que a ucrano-pernambucana Clarice é, na verdade, uma grande contista carioca, da boa e nobre linhagem de Machado de Assis". Uma das mais belas crônicas do livro é sobre o grande e imenso brasileiro Monteiro Lobato. 

Disse Braga: "Lobato estava sempre acreditando em alguma coisa, e com veemência. Ele acreditava em Dona Benta, no Marquês de Rabicó, na Narizinho, em todo o seu povo encantado. Foi por isso que essa gente viveu e vive, e não deixará Lobato morrer: ficará aí contando as histórias dele. As histórias de um homem aventuroso, destemido, engraçado e bom". Numa crônica de 1986, Rubem Braga celebra os 80 anos de Mario Quintana e, no caderno de imagens do livro, está a antológica foto de 1966, quando, aos 60 anos do poeta, estavam Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Quintana e Paulo Mendes Campos num almoço na casa de Rubem Braga, que ficou atrás do fotógrafo dizendo para pegar "só poetas". "Vejam que o time era forte", disse Rubem. 

O time era fortíssimo, imbatível, como a Seleção Brasileira de 1970. Na apresentação, escreve Gustavo Henrique Tuna: "Com este livro, o leitor poderá mergulhar numa espécie de baía do imenso mar de letras a circundar o cronista, uma experiência tão inebriante quanto a da paisagem que ele contemplava no Rio de Janeiro, do alto de sua cobertura da rua Barão da Torre". 

a propósito... 

Estas crônicas do nosso maior cronista, além do registro afetuoso e bem-humorado de pessoas fantásticas, são um convite para os atuais cronistas. Um convite para valorizar o bom humor, as pessoas, os sentidos, a rua, a natureza e a vida. Crise política, econômica, ética e outras tantas crises invadem ou "ocupam" o espaço dos cronistas. 

As redes sociais, os milhões de fotos, palavras e sons atordoam a mente dos escribas e de todos, mas, ao fim e ao cabo, é preciso também e principalmente escrever sobre as pessoas, sobre a vida e sobre os passarinhos que acontecem, sem dar bola para essa cacaca produzida por esses elementos que teimam em não largar o osso.    - Jornal do Comércio 

(http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/07/colunas/livros/571803-o-suspense-na-fronteira-por-tailor-diniz.html)