segunda-feira, 24 de julho de 2017



24 de julho de 2017 | N° 18905 
DAVID COIMBRA

A sacada destruída

– Vamos dividir uma maçã ali na sacada? – propus para o meu filho.

– Sim! Peguei uma grande maçã vermelha que se encolhia no frio da geladeira, lavei-a com denodo, cortei à faca um terço dela e dei para o Bernardo.

– O pedaço grande pra mim, o pequeno pra ti – falei.

– Faz sentido – ele disse, apanhando sua parte, enquanto caminhava comigo até a sacada.

Gosto desta sacada. Infelizmente, não posso usá-la sempre, devido à severidade do clima na Nova Inglaterra. Fico sem frequentá-la pelo menos durante sete meses do ano, senão oito.

Tive, certa vez, um apartamento com sacada, em Porto Alegre. Nela finquei uma mesinha azul de ferro, em torno da qual reunia as risadas dos amigos nas noites quentes do trópico. Mas as pessoas entendidas em arrumação de casas passavam o tempo todo dizendo: “Por que tu não fechas essa sacada? Tu deverias fechar essa sacada”. Então, eu, sem nenhuma personalidade, fechei a sacada.

Que arrependimento.

Senti-me como Augusto, o imperador. Na primeira década do primeiro século, um rebelde germano chamado Armínio atraiu o governador da província, Quintílio Varo, para uma cilada. Varo foi, com as três legiões que comandava. Os romanos viram-se cercados e acabaram aniquilados um a um, com exceção dos que, como Varo, se suicidaram. Augusto, ao saber do desastre, tomou-se de desespero. Passou meses sem cortar o cabelo e a barba e, de vez em quando, era visto encostando a cabeça em alguma porta do palácio e gemendo:

– Quintílio Varo, devolve-me as minhas legiões!

Pois eu encostava a cabeça nas portas do apartamento e uivava:

– Entendidos em arrumação de casas, devolvam-me a minha sacada!

Nunca mais tive sacada na vida, se bem que, antes, tive terraço. Parece coisa fina, terraço, mas não era bem assim. É que, certa época, eu alugava o andar superior de uma casa, quando morei em Criciúma. Embaixo ficava uma gráfica, que não funcionava à noite. O acesso aos meus humildes aposentos se dava por uma escada do lado de fora. Havia muito espaço, eu praticamente só ocupava a sala, o banheiro e a cozinha. Sobravam um quarto e esse grande terraço.

Uma vez, fiz uma festa no terraço. Compareceram meus amigos, conhecidos e até uns desconhecidos. Churrasco, cerveja, calor, música e dança até de manhã. Eles pareciam os bárbaros de Armínio – quase destruíram minha casa.

A certa altura da madrugada, atirei-me em um colchão que havia estendido no chão do quarto vazio. Despertou-me o sol da manhã. Fui abrindo os olhos lentamente, dolorosamente e, enquanto abria, foi-se formando diante de mim, a palmo e meio de distância, a imagem de um salsichão, que, por algum motivo, estava equilibrado de pé no parquê. Você sabe o que é acordar e, antes mesmo de a consciência chegar, deparar com a imagem de um salsichão robusto e vermelho quase roçando o seu nariz? Dei um grito de horror:

– AAAAAAHHHH!

Não desejo essa experiência nem para os ministros do Temer. A sacada do meu apartamento nos Estados Unidos é bem mais pacífica. Falarei dela amanhã.