sexta-feira, 16 de outubro de 2020


16 DE OUTUBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Pode a Mulher Maravilha virar Cleópatra? 

Exultei com a escolha de Gal Gadot para interpretar Cleópatra no novo filme que está sendo produzido sobre a última, mais famosa e mais carismática rainha do Egito.

Cleópatra era mesmo a Mulher Maravilha.

Mas houve pelotões politicamente corretos que foram contra a indicação de Gal, porque ela é branca e israelense. Para certos revisionistas, Cleópatra, por viver na África, era negra.

Esse é um dos maiores problemas dos ativistas politicamente corretos, esse exagero. Porque, afinal, o politicamente correto é... correto! Quer dizer: é algo muito positivo ressaltar que as pessoas são todas iguais na essência, é algo muito positivo censurar o bullying que sempre foi cometido contra pessoas que não se enquadram na aparência ou no comportamento julgados dentro do "padrão". Quantas pessoas sofreram, quantas pessoas choraram, quantas vidas foram arruinadas pela discriminação?

Então, o politicamente correto é uma coisa boa, porque reafirma a maior de todas as verdades: que todos somos irmãos. Só que às vezes a turma passa dos limites. No afã de combater a discriminação, eles discriminam. Na ânsia de demonstrar o valor de quem sempre foi relegado, eles distorcem a realidade. Aí, em vez de angariarem adeptos, eles criam inimigos.

No caso de Cleópatra, ela foi uma mulher tão icônica, que sua aparência se transformou em campo de disputas. Cleópatra era mesmo belíssima e sedutora, como descreveu Marcus Lucanus, sobrinho de Sêneca? E, o combate atual: ela era branca ou negra?

Ninguém sabe qual era a cor da sua pele, mas são grandes as chances de que fosse branca. Porque Cleópatra pertencia à dinastia dos Ptolomeus. O fundador do clã, chamado Sóter, foi general de Alexandre Magno. Ele estava à beira do leito de morte de Alexandre, três séculos antes de Cleópatra nascer. Ele foi um dos que perguntou: "Para quem vai ficar o seu império?" E ele foi um dos que ouviu a resposta chocante: "Para o mais forte".

Ptolomeu não foi "o" mais forte, mas teve sua força: a ele coube o rico reino do Egito. Entre os egípcios, era comum que os nobres se casassem com seus familiares - a própria Cleópatra casou-se com o irmão. Ptolomeu manteve a tradição incestuosa. Cleópatra, portanto, era mais grega do que egípcia. Na Macedônia, inclusive, de onde vieram seus antepassados, havia loiras com a abundância que há em Santa Rosa.

Claro que é possível que, em 300 anos, egípcios nativos tivessem se imiscuído na linhagem dos Ptolomeus, mas o povo do Nilo, na época, era bastante multiétnico, com uma minoria de brancos, uma minoria de negros e uma maioria que hoje seria chamada de "parda". O que confere com as pinturas e esculturas egípcias, que retratam pessoas de pele morena, quase jambo.

O certo é que pouco importa qual era a cor da pele de Cleópatra. Importa é o significado dela para a História. Insistir na tese da sua negritude para vetar Gal Gadot é uma bobagem. E não acrescenta uma gota de glória à história da África subsaariana, a dita África Negra. Até porque não existe história mais gloriosa do que essa: foi lá, na África Negra, que o Homo sapiens surgiu. Isto é: no cerne e no fundo, todos nós somos negros. Alguns desbotamos por conta de contingências climáticas, só isso. Peles mais claras, absorvem mais sol. Peles mais escuras, têm mais resistência ao sol. Darwin explica.

Não ficaria escandalizado ou aborrecido se a intérprete de Cleópatra tivesse a pele negra como a turmalina, mas saber que Gal fará o papel me faz sonhar com os versos que Shakespeare teceu sobre a nossa heroína:

"O tempo não consegue esmaecê-la, nem a rotina cansar

Sua infinita variedade; outras mulheres saciam

Os apetites que alimentam, ela, porém, mais deixa a desejar

Quanto mais satisfaz."

DAVID COIMBRA

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