segunda-feira, 26 de outubro de 2020


26 DE OUTUBRO DE 2020
CLAUDIA LAITANO

Rebecca, um plágio inesquecível

Entrou em cartaz na semana passada na Netflix uma refilmagem de Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940) - clássico de Alfred Hitchcock marotamente rebatizado no Brasil como "Rebível, a Mulher Inesquebeca".

O filme do Hitchcock, bom, é do Hitchcock. Está tudo lá. Elegância e rigor em cada plano, suspense, sutileza nos diálogos e uma atmosfera gótica belamente fotografada em preto e branco. No elenco, os gigantes Laurence Olivier, Joan Fontaine e George Sanders. Primeira produção do diretor britânico nos EUA, Rebível foi um sucesso e ganhou o Oscar em 1942 (o filme está disponível no YouTube, com legendas).

A nova versão praticamente reproduz a estrutura da primeira adaptação: uma jovem ingênua e sem dinheiro (Lily James) se apaixona por um viúvo rico e bonitão (Armie Hammer) e vai morar com ele em uma mansão, onde é atormentada pela memória onipresente da falecida e pelas artimanhas de uma governanta (Kristin Scott Thomas). Se em Hitchcock havia neblina, sombras e mistério, no novo filme há luz, cor, protagonistas sem carisma, algum "soft porn" e muito Downton Abbey na forma de retratar o esnobismo e a opulência da aristocracia britânica. Para o meu gosto, sobrou orçamento, faltou alma. A única curiosidade que merece referência é o fato de o filme sugerir um retrato menos idealizado do viúvo com culpa no cartório, mas é tudo tão frouxo e artificial que acaba sendo inócuo o esforço para desnaturalizar as violências cometidas contra as mulheres na trama.

Confesso que assisti a Rebível 2 com um fiapo de esperança de que uma injustiça histórica seria, enfim, reparada. Como quase todo mundo sabe, o romance Rebecca (1938), da britânica Daphne Du Maurier (1907 - 1989), é um dos casos mais rumorosos de plágio da literatura brasileira. Os pontos em comum com a trama do romance A Sucessora (1934), de Carolina Nabuco (1890 - 1981), filha mais velha de Joaquim Nabuco, são tantos e tão óbvios que a tese da "coincidência" é insustentável. (No YouTube, você também encontra alguns capítulos da novela A Sucessora, de 1978.)

Bilíngue, Carolina escreveu seu primeiro romance em inglês e português ao mesmo tempo. Quando o livro ficou pronto, enviou os originais traduzidos para agentes literários nos EUA e na Inglaterra, na esperança de um lançamento internacional. Big mistake. Só descobriu que sua história havia sido "incorporada" ao romance de Du Maurier, representada pelo mesmo agente literário, quando Rebível estreou nos cinemas. Nunca conseguiu qualquer reparação moral ou financeira, mas manteve a consciência tranquila de quem tem as datas e os fatos a seu favor. No filme da Netflix, não há qualquer referência ao seu nome.

Se há justiça nesse mundo, torço para que Daphne Du Maurier tenha sido assombrada, até o fim de sua longa vida, pela memória de uma mulher talentosa que veio antes dela e nunca foi esquecida.

CLAUDIA LAITANO

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