quarta-feira, 28 de outubro de 2020


28 DE OUTUBRO DE 2020
MÁRIO CORSO

O causo da égua do diabo 

Os gaúchos apreciam seus cavalos e nunca os imaginam de forma negativa ou perigosa. Encontrei uma exceção que é pouco conhecida. Ouvi duas vezes esse causo de galpão quando criança e nunca mais.

Como sempre, foi um conhecido do narrador que ouviu de um primo, que ouviu de não sei quem, e que teve palco não se sabe bem onde. Mas seria a mais pura e verdadeira verdade.

De qualquer forma, teria acontecido depois de uma missa de domingo. O cenário era um povoadinho desses onde todos se conhecem. Na ocasião estava a comunidade reunida na frente da praça, mostrando suas melhores roupas e sorrisos uns ao outros. Quando, de repente, se assoma uma égua solita.

Numa das versões era toda cinza, na outra toda branca, em ambas um animal belíssimo. Todos se perguntam a quem pertenceria. Ela, sem medo, vai se aproximando lentamente das pessoas. Está sem sela, mas com a brida. Deixa se tocar por quem quiser acariciar seu sedoso pelo de animal bem tratado.

Nas duas versões, um guri, atrevido e confiante de suas habilidades de ginete, arrisca saltar e montá-la em pelo. A égua aceita. Parece contente como se adotada. Ela primeiro dá um rodopio e engata um passo altivo e elegante como se quisesse desfilar.

Era coisa linda de se ver. Mas quem reparasse bem veria uma sombra de preocupação no rosto do guri. O animal parecia dócil, mas não aceitava fácil o comando. Nisso o passo virou trote. De inopino se transforma em galope, e a dupla dispara varando o campo em uma velocidade assombrosa, quando já é perigoso saltar.

Assustado, o povaréu demora a reagir. Não entende o que está acontecendo. Pensa que o animal cansará e o guri vai trazê-lo de volta. Um peão chama a atenção para as marcas na terra batida da rua e afirma que o animal não era ferrado. A descoberta aumenta o mistério.

Finalmente farejam que era coisa ruim e resolvem seguir a dupla. Montaram e saíram às ganhas em busca do guri. Porém, cai a noite e os amigos e a família voltam de mão vazias. O nada de onde essa égua surgiu engoliu um rapaz que nunca mais foi visto.

Não lembro se um dos narradores chamou a história de "a égua do diabo" ou foi uma interpretação adicional dele ao causo. Se um leitor souber, que me diga.

Não precisa muito tutano para perceber um significado. Essas comunidades pequenas não criam oportunidades para todos. Veem cotidianamente partir uma infinidade de seus jovens. Geralmente os mais audazes vão aventurar-se nas promessas da cidade grande. Muitos deles nunca mais voltam para os campos da infância. Morrem para os olhos que os viram crescer.

Talvez o elemento feminino esteja presente como o casamento que o fará fincar suas raízes em outro pago. Ou também como parte dos mistérios da feminilidade, sempre vista como indômita, matreira e perigosa.

MÁRIO CORSO

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