terça-feira, 27 de outubro de 2020


27 DE OUTUBRO DE 2020
CARLOS GERBASE

Os perigos de pular o muro 

A ideia de que, no atual estágio da civilização, nossos maiores desafios só podem ser resolvidos através do diálogo entre diferentes áreas do conhecimento está bem estabelecida na academia. Há até uma área na Capes (órgão que apoia a educação de nível superior no Brasil) destinada a cursos interdisciplinares, em número crescente na última década. Os superespecialistas, que dominam em profundidade um conteúdo muito estrito, ainda são úteis, pois promovem os grandes avanços teóricos. Contudo, quando se trata de enfrentar, na prática, o aquecimento global, a desigualdade social ou o funcionamento psicológico dos seres humanos, é preciso cruzar as fronteiras entre as disciplinas. É necessário pular o muro e conversar com os vizinhos. Na hora do pulo, porém, é comum descobrir que nem sempre o vizinho te recebe de braços abertos. As castas de conhecimento ainda são fortíssimas, e elas não gostam muito de intrusos.

Não pensem que essa resistência funciona apenas na academia. Ela é forte também nas artes. Devido ao meu irremediável ecletismo intelectual - ou, você decide, à minha invencível dispersividade e falta de foco - já senti essa falta de hospitalidade inúmeras vezes. Na música: "Lá vem aquele cineasta que não sabe tocar um instrumento". No cinema: "Lá vem aquele professor que, como não sabe fazer filmes, ensina". Na literatura: "Lá vem aquele músico, professor e cineasta se meter a escrever um romance". Na academia: "Lá vem aquele artista dispersivo tentando enganar como pesquisador". Aqui na Zero Hora, se fosse questionado, poderia exibir orgulhosamente meu diploma de jornalista, mas, em mais de sete anos, isso nunca foi necessário. No fundo, essa é, oficialmente, a minha casta, o meu território original. Meu problema é que estou sempre pulando muros.

O biólogo Edward Wilson tem um livro consolador para mim, Consiliência: A Unidade do Conhecimento, em que defende a integração de todas as ciências - exatas, humanas e biológicas - com as artes. Wilson partiu de estudo superespecífico com formigas, ampliou sua pesquisa para outras espécies sociais, criando a Sociobiologia, e tentou pular o muro para discutir os mecanismos de funcionamento psicológico dos seres humanos com acadêmicos de áreas não biológicas. O tombo foi tão grande, ou a recepção dos vizinhos foi tão hostil, que a Sociobiologia teve que ser rebatizada e hoje se chama Psicologia Evolutiva. Fica a lição: se você quiser pular o muro, não espere de seu vizinho um convite para jantar.

CARLOS GERBASE

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