quarta-feira, 28 de outubro de 2020


28 DE OUTUBRO DE 2020
ARTIGOS

A internet não se cansa de odiar, mas deveria

Promotor de Justiça | marchesan@mprs.mp.br

A notícia no final de agosto era a neve que caía na serra gaúcha. A matéria turística fez brotar nos comentários, gratuitamente, recriminações apelando para disputas regionais ao comparar o clima gaúcho com o carioca, do tipo: somos melhores porque temos a praia, nós melhores pelo frio. Alguém depreciou a neve porque viajaria a um rico país europeu para vê-la, meteorologistas amadores analisando com lupa um floco para refutar o fenômeno, e por aí foi. Um texto apolítico e apartidário causando um alvoroço sobre o "aquecimento global" e o coronavírus.

Mas o que explicaria que um registro simples do tempo despertasse bairrismos, censuras ácidas, algumas com viés político? Certamente a necessidade humana de odiar, por vezes maior do que a de amar. Era a obrigação autoimposta de criar um inimigo, aumentá-lo, odiá-lo, para então mostrar-se maior do que ele ao derrotá-lo. Umberto Eco falou sobre a necessidade de inventar um inimigo quando teve de explicar a um taxista quem eram os inimigos da Itália, internos talvez, porque não pôde citar algum país. 

Sartre afirmou que não nos reconhecemos como eu a menos que nos comparemos ao outro, que precisa ser o inferno para que eu seja o paraíso, mas preciso diminuí-lo ou destruí-lo. Friedrich Hayek acreditava que era quase uma lei da natureza humana ser mais fácil para os homens concordarem com um programa negativo - o ódio a um inimigo ou a inveja aos que se acredita estarem em melhor situação - do que sobre qualquer plano positivo.

A luta contra os que se acham fora do grupo, a crítica vazia, a destruição do outro parecem ser mais meritórias do que a construção do eu sem o ódio. É mais útil ver o não eu apenas como adversário, não inimigo, na política, no futebol, na teoria econômica, sem que precisemos destruí-lo para nos erguermos. Não nos fazemos melhores quando transformamos uma notícia de neve num áspero debate, porque o ódio cansa e cega sem que percebamos, como diz a música do Nenhum de Nós.

ANDRÉ RICARDO COLPO MARCHESAN

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