terça-feira, 27 de outubro de 2020


27 DE OUTUBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

O homem que precisa ser mimado 

Mozart passou a vida pedindo dinheiro emprestado. Era um gênio para a música, e um tolo para as finanças. Estava sempre endividado, por mais sucesso que sua obra fizesse. Houve um tempo em que se apaixonou por uma donzela alemã, propôs-lhe casamento e ela recusou. Preferia um homem que lhe desse segurança.

Fico pensando: se essa moça soubesse em quem Mozart se tornaria, teria recusado o pedido?

Há outros gênios desajeitados rejeitados por mulheres práticas: os filósofos Spinoza, Kant e Nietzsche foram, definitivamente, infelizes no amor. A respeito de Nietzsche, cevo a tese de que enlouqueceu por ter sido rechaçado pela belíssima Lou Salomé, que, além de desprezá-lo, preferiu ficar com um amigo dele, Paul Ree.

Schopenhauer também tinha sérios problemas com as mulheres. Só escrevia e falava mal delas. Quem conhece sua história sabe por que: por causa da mãe. A mãe de Schopenhauer rivalizava intelectualmente com o filho. Uma vez, eles discutiram com tamanha aspereza que ela o empurrou escada abaixo, quase matando-o. Depois disso, Schopenhauer nunca mais falou com ela.

Mas não queria discorrer a propósito da relação dos gênios com as mulheres. Queria, isso sim, demonstrar que muitas mulheres não suportam se relacionar com gênios porque eles são homens complicados.

De onde vem essa complicação? Da própria natureza da genialidade. Uma pessoa só é criativa se guarda, dentro dela, a criança que foi. Pessoas absolutamente maduras quase nunca serão criativas. A pessoa criativa brinca. Ela gosta de imaginar e sonhar, como qualquer criança saudável. Mas, às vezes, ela é manhosa, birrenta e exigente. Como qualquer criança mimada.

Pegue, por exemplo, um time de futebol. O zagueiro não pode ser criativo. Ao contrário, ele tem de ser um homem convencional. Ele é responsável, ele é reto, ele é trabalhador, ele não ri. O zagueiro não brinca. O zagueiro é o cara que se casa com as mulheres que rejeitaram Mozart, Spinoza, Kant e Nietzsche.

Já o centroavante é o contrário. O centroavante é o gênio irresponsável, que faz o que ninguém faria, porque ele brinca em campo. Ele é uma criança.

Então, é normal que o centroavante, vez em quando, seja esquisito e tenha personalidade meio enviesada, como Romário, como Ronaldo, como Reinaldo. Ele pode. Porque, com sua criatividade infantil, ele compensa.

Nos últimos tempos, o Brasil não conseguiu mais revelar um único centroavante diferenciado. Porque o futebol brasileiro se tornou sisudo, se tornou sério. Tornou-se, o futebol brasileiro, uma estufa de zagueiros, de volantes, de goleiros. Uma estufa de homens casadoiros.

Mas agora surgiu Pedro.

Esse Pedro não é um jogador comum. Ele tem velocidade, força, habilidade, ele sabe finalizar, sabe segurar a bola de forma que ninguém tire dele, ele sabe fazer parede como nenhum mestre de obras saberia. Pedro é o melhor centroavante brasileiro. Fará história no futebol, se tiver uma qualidade: irresponsabilidade. Se Pedro for gaiato como uma criança, o mundo o mimará.

DAVID COIMBRA

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