sexta-feira, 23 de outubro de 2020


23 DE OUTUBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

Obrigado, Rei

Um país precisa de ícones inspiradores, pessoas que o representem dentro e fora de suas fronteiras. Nesse sentido, ninguém é maior do que Edson Arantes do Nascimento. A imagem de Pelé se confunde com a imagem do Brasil. No dia em que ele completa 80 anos, o planeta Terra rende homenagens ao atleta do século 20, que começou a assombrar e encantar o mundo na década de 1950, quando as feridas da II Guerra Mundial, encerrada em 1945, ainda estavam abertas e doloridas. O nazifascismo havia mergulhado a humanidade em um pesadelo autoritário e mortal. O sopro de esperança representado pela vitória do mundo livre precisava de exemplos que materializassem os valores da igualdade e da alegria enterrada nos campos de batalha.

A Seleção Brasileira era portadora, então, de uma mensagem poderosa, que ultrapassa em muito as linhas que delimitavam o campo de futebol. Era o sorriso nascido do talento, que levava à vitória uma equipe plural, formada por homens cujas famílias vieram de lugares diferentes, mas que formavam uma engrenagem convergente e fantástica. Das savanas africanas às capitais europeias ainda se reerguendo das ruínas, pessoas de todas as origens, credos e histórias assistiram ao menino do Brasil, negro e pobre, inventar novos paradigmas para um esporte que, pelos seus dribles e gols, se aproximou da arte de uma maneira nunca antes vista. Isso tudo em um tempo em que a comunicação era bem menos instantânea e a tevê recém engatinhava. Romper barreiras era bem mais difícil. Pelé o fez, com a naturalidade de um gênio inigualável.

Não é exagero chamar Pelé de rei. Sua majestade vai muito além do Brasil. Não é apenas seu trânsito entre monarcas, chefes de governo e as portas de palácios que ainda se abrem para ele, e sim a reafirmação de que nenhum brasileiro chegou perto, até hoje, do que ele fez. Nestes tempos em que a sombra da intolerância e do radicalismo ressurge no horizonte da civilização, o menino de Três Corações é a prova viva de que o esporte constrói pontes. Quando se fala em democracia cultural do Brasil, é obrigação refletir sobre dois dos nossos maiores símbolos. O samba nasceu no morro para, depois chegar ao asfalto. O futebol percorreu o sentido oposto: trazido pelos europeus ao Brasil, surgiu em clubes fechados e frequentados por imigrantes ingleses, portugueses, alemães e italianos. Pelé derrubou para sempre o muro que separava o povo da bola, com a mesma genialidade com que derrubava as defesas adversárias. E fez este povo ter orgulho de vestir verde e amarelo.

Passados mais de 40 anos de sua despedida dos gramados, Pelé ainda é a palavra mais repetida quando, em qualquer lugar do mundo, alguém diz que é do Brasil. Obrigado, rei. Parabéns, Pelé. Você nos ensinou a ter orgulho de sermos brasileiros. Cada um dos seus mais de mil gols é uma lembrança eterna de que, sim, é possível vencer com um sorriso no rosto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário