sexta-feira, 30 de outubro de 2020


30 DE OUTUBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

A REPÚBLICA DOS DESAFOROS 

Os brasileiros assistem estupefatos, nos últimos dias, a um festival de fofocas, desaforos e intrigas entre altas autoridades da República. Já seria deprimente se o país atravessasse um momento de tranquilidade, economia pulsante e pleno emprego. Fica pior diante do preocupante quadro nacional, emoldurado por uma pandemia que vitimou quase 160 mil pessoas, economia claudicante e crises políticas constantes. Por meio de redes sociais, nos bastidores ou com roupa lavada em público, ataques e mexericos que nada edificam drenam energia e desviam o foco dos graves e urgentes problemas do país, que permanecem sem solução.

Lembrando apenas os episódios mais recentes, o espantoso enredo teve início na semana passada, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chamou o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, de "Maria Fofoca", acusando-o de ter passado informações para a imprensa. Fizeram depois formalmente as pazes, mas sem convencer quem acompanha as coxias do poder. As feridas entre Salles e os militares do governo ficaram ainda mais longe de uma cicatrização. No fim de semana, foi a vez do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entrar no tiroteio. "O ministro Ricardo Salles, não satisfeito em destruir o meio ambiente do Brasil, agora resolveu destruir o próprio governo", escreveu o deputado no Twitter. Cinco dias depois surge, na mesma rede social, uma postagem na conta de Salles chamando Maia pelo apelido jocoso de Nhonho. Depois, alegou que seu perfil teria sido hackeado.

Mas a quinta-feira trepidante de disse me disse não parou por aí. Maia reclamou que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, teria vazado uma conversa entre ambos. Uma atitude, segundo ele, que não estaria à altura de um presidente de um BC de um país sério. Em seguida, fez nova publicação, contando que Campos Neto, em ligação, negou ser o autor do vazamento. E então afirmou confiar no presidente do BC. Há poucas semanas, o país também voltou a ficar perplexo com um surto de descortesias entre membros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Seria conveniente que os contendores verbais se concentrassem nas soluções de que o Brasil precisa. O motivo da conversa vazada entre Maia e Campos Neto teria sido a preocupação do presidente do Banco Central com o fato de as reformas simplesmente terem parado no Congresso, sem qualquer esforço do governo ou do parlamento. Maia vem alegando que a obstrução parte da própria base bolsonarista, em meio a uma disputa - em que os interesses do país não são centrais - pelo controle da Comissão Mista do Orçamento. Não fosse trágico, seria apenas cômico.

Enquanto isso, o mercado vive dias turbulentos pelos riscos fiscais do país e a ameaçadora segunda onda do novo coronavírus na Europa. Seria um motivo forte o suficiente para o Planalto e o Congresso voltarem suas atenções para iniciativas que ajudem a tirar as pesadas nuvens de dúvidas que pairam sobre o horizonte brasileiro. Seguem paradas as reformas administrativa e tributária e a PEC Emergencial, e não há saída visível e viável para o fim do auxílio emergencial, por exemplo. Enquanto sobram dilemas, agentes públicos que deveriam colaborar na busca por soluções têm transformado o país em uma República de desaforos e fofocas.

 

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