sexta-feira, 23 de outubro de 2020


23 DE OUTUBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

O maior brasileiro de todos os tempos

 Vi Pelé jogar. Poder dizer isso é uma distinção. Tem de colocar no currículo. Entre cargos pretéritos e prêmios eventuais, está lá: "Viu Pelé jogar".

Pois vi. No campo. Ao vivo. Eu sentado na arquibancada de pedra, ele pisando na grama verde. Mas, cá entre nós, admito: não lembro de quase nada do jogo. Eu era pequeno, e meu avô me levou ao Olímpico com uma intenção explícita:

"Tu vais ver o Pelé jogar".

Não era Grêmio versus Santos, era o Pelé. E o Pelé estava lá.

Tenho arquivadas na memória cenas do Pelé correndo com a bola na intermediária, mas será que são cenas verdadeiras? Não tenho certeza, porque a memória é coisa engraçada, ela não é como uma gravação, ela é construída. Você pega partes do que viu e partes do que lhe contaram sobre um determinado fato e vai editando a história na sua cabeça até que aquilo se torne realidade.

Assim, somo o que vi no estádio com o que, depois, li a respeito. Era 1971, o Grêmio venceu por 1 a 0, gol de Torino, e o público foi inacreditável, tratando-se do velho Olímpico, ainda não reformado: quase 50 mil pessoas. Era assim, antes: os torcedores se ensardinhavam nas arquibancadas, e tudo bem.

Hoje, conferindo as escalações, identifico ali diversas histórias curiosas. O goleiro do Grêmio era Jair, que tinha 1m72cm de altura. Pitoco para jogar no gol. O goleiro do Santos era o argentino Cejas, 1m93cm. Gigante, para a época. Cinco anos depois desse jogo, Cejas foi contratado pelo Grêmio. Ao chegar ao Olímpico, foi treinar e estranhou: quando erguia o braço, sua mão passava alguns centímetros para cima do travessão.

"Essa goleira está mais baixa do que o normal", avisou.

De fato: funcionários do Grêmio haviam rebaixado a goleira para que o pequeno Jair não tivesse problemas nas bolas altas.

Outro que estava no time do Santos e que, mais tarde, fez história no Grêmio foi o zagueiro Oberdan, aquele que, ao desembarcar no aeroporto Salgado Filho, prometeu, causando espanto:

"O Escurinho não cabeceia mais na área do Grêmio".

Dias depois, fez outra promessa cheia de galhardia:

"Aqui, neste time, ninguém vai chorar quando for campeão".

Cumpriu as duas, o grande Oberdan.

Nas laterais, o Grêmio tinha dois campeões do mundo: Espinosa na direita e Everaldo na esquerda. De centroavante, o argentino que marcou os dois primeiros gols da história do Campeonato Brasileiro: Scotta. Já o Santos, ao lado de Pelé, exibia um dos maiores dribladores do planeta, depois de Garrincha: Edu.

Muitas coisas para ver e lembrar, portanto. Mas tudo isso fica subalterno ao fato de que Pelé estava lá. Ele não marcou gol, o time dele perdeu, não sei nem se ele jogou bem, mas ele estava lá.

Agora, neste 23 de outubro, Pelé completa 80 anos. É uma data que todos devemos comemorar, porque estamos falando do maior brasileiro de todos os tempos. Maior do que Machado de Assis ou Rubem Braga, maior do que Tom Jobim ou Roberto Carlos, maior do que Ayrton Senna, Carlos Chagas e Santos Dumont. Maior do que o Barão de Mauá, do que Silvio Santos, do que Roberto Marinho ou qualquer personagem da política. Pelé. O Rei. Mais do que o melhor: o único. Eu o vi jogar.

DAVID COIMBRA

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